A cultura popular de Pernambuco perdeu um patrimônio vivo. João Soares da Silva, o Biu Roque, morreu na noite da sexta-feira, por complicações ocasionadas por um AVC, sofrido há duas semanas. Por coincidência, poucas horas após sua partida, dois de seus principais discípulos tinham show marcado no mesmo palco, na programação paralela do festival Abril pro Rock, no Recife Antigo. Alessandra Leão e Siba com a Fuloresta do Samba não deixaram de se apresentar, pois ambos lembraram de imediato o que dizia Biu Roque à respeito da morte, a dos outros e a sua própria.
"Quando eu morrer, quero que a sambada continue", falava. E assim foi feito. Depois do show, nos bastidores, Alessandra Leão e seu marido, o arranjador, violeiro, compositor e produtor Caçapa comentavam a amizade que fizeram com Biu Roque, que começou há muitos anos e se intensificou há pouco mais de um ano, quando entraram em estúdio para gravar o primeiro CD só de Biu Roque, que vai se chamar A noite hoje é a maior. Está tudo gravado, vozes e instrumentos, só falta mixar e masterizar. No dia da sua partida, Alessandra tinha recebido a arte da capa do disco. Por muito pouco Biu Roque não viu seu primeiro disco solo ficar pronto.
No myspace do artista – ex-cortador de cana-de-açúcar, nascido em Condado e morador do sítio Chã do Esconso, em Aliança - é possível ouvir e ler um pouco sobre a sua história. A página foi desenvolvida por Alê e Caçapa, para que o valor da obra de Biu ficasse cada vez mais conhecido do povo. Mesmo sem toda a fama de um Salustiano, Biu Roque tinha o mesmo tanto de conhecimento. Tinha total domínio de gêneros musicais tradicionais como o coco de Roda, a ciranda, o maracatu rural e as toadas de Cavalo Marinho, e os sambas típicos da Zona da Mata.
No myspace também está sua discografia. Todos os discos que tiveram a participação de Biu Roque são até hoje alguns dos mais importantes para a cultura popular, sobretudo o cavalo-marinho e o maracatu rural, dos quais era mestre maior. Entre eles, os álbuns do Mestre Ambrósio, de 1996 e 1999. O rabequeiro Siba Veloso foi – entre os da nova geração de músicos pernambucanos ligados à tradição de sua terra - discípulo e ao mesmo tempo um exemplo para Biu Roque. Pois foi através da banda montada posteriormente pelo ex-Mestre Ambrósio, chamada Fuloresta do Samba, que Roque pode viajar o Brasil e o mundo inteiro, participar de discos e ter sua importância cada vez mais atestada por todos que conviveram com ele.
A primeira grande platéia de Biu foi no Abril Pro Rock, em 2003. No ano seguinte, ganhou o mundo com a Fuloresta, numa turnê de duas semanas pela na Europa. Foi a Portugal, Holanda e França. Na voz e na percussão da Fuloresta do Samba, a “goela de ouro da Mata Norte” esteve nos CDs e DVD do seu grupo com Siba, mas também figurou em discos como: Siba e Barachinha (No Baque solto somente, de 2003), no disco de Beto Villares (Excelentes lugares bonitos, de 2003), no disco Pimenta com Pitú, de seu Luiz Paixão (2005), em Brinquedo de Tambor, da própria Alessandra Leão (2006, Independente) e em coletâneas locais - como Frevo no mundo (Candeeiro Records, 2008) – e estrangeiras, a exemplo de What‘s Happening in Pernambuco: New Sounds of the Brazilian Northeast (2007, Luaka Bop) e Criolina: Globrazilian Grooves - Coletânea (2008, Independente).
Quando subiu ao palco, no último sábado, Siba sabia que o fazia muito pelo gosto do mestre que fosse assim. Os metais da Fuloresta soavam mais solenes e na percussão, estava o filho, Mané Roque, mas faltava o pai. Mesmo triste, foi um show forte e todos tocaram com vontade e emoção. Vão ter que se acostumar assim. “Eu tenho certeza que ninguém passou aqui o que esse homem passou de dureza na vida e mesmo assim eu nunca o vi sem estar sorrindo, sempre alegre, foi um privilégio tê-lo conhecido”, falou Siba que, naquela noite, terminou o show mais cedo que de costume. Era hora de voltar a Zona da Mata para a última despedida. O enterro do mestre estava programado para o fim da tarde do sábado, em Goiana.
Por Michelle de Assumpção, do Diario de Pernambuco
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