quinta-feira, 29 de outubro de 2009

B.E.A,T



por Luiz Guilherme Moffa




Recife - anos 90: nascia, idealizado por músicos emergentes do cenário cultural pernambucano, aquilo que viria a ser conhecido como manguebeat - uma das mais criativa

cenas musicais brasileiras dos últimos 20 anos.





Pregava uma original fusão rítmica a partir de elementos genuinamente brasileiros combinados a elementos da cultura pop global. Da fusão de ritmos regionais (como maracatu, frevo, caboclinho, pastoreio, entre outros) e gêneros internacionais (como funk, hip hop, rock, reggae e dub) surgiu uma síntese inteligente que reflete, a partir da miscigenação de ritmos, a interação entre formas musicais de lugares distintos. Daí veio
a metáfora da antena parabólica fincada na lama.

O tambor tribal, construído artesanalmente, associado à
guitarra e aos amplificadores norte-americanos, anunciavam mais do que apenas um novo estilo. E ao elaborarem um manifesto que abordava temas culturais e sociais do Recife, batizado de “Caranguejos com Cérebro”, ficava clara a preocupação das principais bandas da cena em abordar
questões sobre a sociedade brasileira e a globalização.

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Leia, na íntegra, o manifesto Caranguejos com Cérebro, escrito por Fred Zero Quatro.

Mangue, o conceito
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com
água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.

Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro.
Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.

Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.

Manguetown, a cidade
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia* passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.

Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*, que elevou a cidade ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.

Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem,
no início dos anos setenta. Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da *metrópole* só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.

Mangue, a cena
Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto!
Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias.
O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.

Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.

Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.

Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.

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Mangue 1
Da Lama ao Caos – Chico Science & Nação Zumbi
1994 – Chaos/Sony Music


O álbum de estréia de Chico Science & Nação Zumbi é uma espécie de pedra fundamental da cena mangue. Traz um caldeirão de ritmos acompanhados por letras com críticas sociais, como nas faixas “Banditismo por uma questão de classe” e “A cidade”. Momentos de inspiração instrumental também permeiam o registro, como em “Côco Dub”. É o primeiro registro oficial do encontro entre os tambores do maracatu e a guitarra distorcida de Lúcio Maia. Liminha foi o responsável pela produção desse disco indispensável.
Mangue 1
Carnaval na Obra – Mundo Livre S/A
1998 – Excelente Discos/Abril Music


Com arranjos musicais criativos, timbres não convencionais e letras ácidas inteligentes Carnaval na Obra é o melhor registro do Mundo Livre S/A. O terceiro trabalho da banda liderada por Fred Zero Quatro mistura cavaquinho distorcido a batidas a la John Bonham e dá origem a um samba psicodélico cheio de groove. O grupo abusa de efeitos eletrônicos, o que deixa a obra ainda mais instigante. Apesar de ter sido produzido por quatro nomes distintos (Bid, Apollo 9, Edu K e Miranda), as faixas do disco se encaixam perfeitamente e apontam para novas perspectivas e experimentações sonoras.
Mangue 1
Condon Black – Otto
2001 – Trama


Sucessor de Samba pra burro – elogiado álbum de estréia de Otto –, Condon Black reafirmou a criatividade do ex-percussionista do Mundo Livre S/A. Embora mais orgânico que seu debut, marcado pelo encontro entre samba, ritmos nordestinos e música eletrônica, o disco continuou essa mistura e foi além. Trouxe melodias mais finas, letras mais criativas que abusam dos trocadilhos (como o próprio nome do álbum) e um encontro fértil entre a banda que toca na maioria das faixas e os efeitos eletrônicos do produtor Apollo 9.
Mangue 1
Nada de Novo – Mombojó
2004 - Tratore


Apesar de ser um grupo pós manguebeat, os pernambucanos do Mombojó mostram em Nada de Novo que aprenderam as lições de alquimia rítmica passadas por Chico Science, Fred 04 e cia. As composições desse primeiro disco da banda trazem elementos próprios do mangue, associados ao indie rock e a MPB. As 15 faixas soam agradáveis aos ouvidos, mas nem por isso são simples ou descartáveis. Pelo contrário, reciclam timbres, estilos e melodias que unidos dão origem a
algo de novo.

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