Por Carlos Eduardo Araújo
O forte do cantor e compositor Otto, desde os tempos de Mundo Livre S/A e Chico Science, era sua performance ao vivo. Até em entrevistas era difícil entender as construções gramaticais entoadas pela dicção característica do cantor. Isso tudo já se sabia. Mas a grande e extraordinária surpresa que acometeu críticos e fãs ao ouvir o mais novo trabalho do artista foi a impressionante evolução do “Bicho que Pula”.
“Certa manhã acordei de sonhos intranqüilos” é o quarto disco de Otto e parece entrar por caminhos diferentes dos anteriores. Primeiro pela sonoridade: o disco tem a assinatura sonora de um dos mais criativos e competentes músico/produtor da nova geração: Fernando Catatau. Músicas como “Crua” e “O Leite”, e a muito bem construída “Lágrimas Negras”, apresentam um minimalismo estranho. Por vezes violão e percussão, com introduções de violoncelos e trechos orquestrados se entranham na massa auditiva dos mais atentos e levam até a melancolia proposta por Otto neste disco.
Uma segunda observação clássica de todos que ouvirem o disco, pelo menos duas vezes,
são as letras
Se alguém me perguntasse se Otto sabia falar de amor, de antemão seria contrário à ideia. Mas em seus sonhos intranqüilos o cantor mostrou-se um compositor sensível e de uma entrega impressionante. Há quem diga que algumas canções como “6 minutos” e “Saudade”, e muitas outras, são experiências vividas pelo cantor com o fim do seu relacionamento com a atriz Alessandra Negrini. Até agora são apenas boatos. O fato é que em suas letras, Otto despejou sobre as harmonias estranhas de Fernando Catatau um lirismo e melancolia que se confundem em várias páginas sonoras presentes no disco.
Em seu quarto trabalho de inéditas, Otto ainda mostrou sua raiz pernambucana e percussiva em ritmos afro-brasileiros. Como em “Janaina” e em “Filha”. Está última aponto como a melhor do disco. Sua música transpira mais vitalidade, como cantor Otto também se mostrou bem mais ativo e se arriscando ainda mais em berros e agudos dando mais sentimento às canções. Pode-se notar influencias sonoras do afrobeat e do brega (Fernando Mendes, Nelson Gonçalves) versando com introdução de elementos percussivos e clássicos. Uma mistura que deu outra cara à musica de Otto. Destaque para a regravação de “Naquela mesa”, com ambientação de gafieira e com arranjo próximo do original, mas com outra concepção.
Em “Agora sim”, última musica do disco, é nítida uma das características mais importantes no novo trabalho de Otto; as experiências com a composição das frases e o uso de palavras “subversivas”, pode-se dizer assim. Em construções como: “naquela noite em que chamei você fudia, de noite e de dia” e “O beijo, o grelo, o falo, o dado, o ralo, o olho” escancaram um outro Otto, um compositor mais seguro e pertinente, e que busca na construção da música expandir limites e unir com competência o amor, o sentimento, e a sexualidade, coisa que anda em extinção por aí. Ou a turma faz uma história já totalmente escrachada, ou falam de amor mela cueca, sem sentimento algum, impressionando apenas meninas recém saídas do ensino fundamental.
Enfim, pode-se se dizer que é disco de difícil digestão, mas se escutado com calma e buscando entender os sentimentos expostos, pode-se ter várias impressões diferentes e bem harmoniosas. Na minha humilde opinião, é o melhor disco lançado por Otto em sua carreira. É disco para ser escutado de verdade, à maneira “antiga”, em um bom volume para se escutar o detalhe e sem ter muita coisa pra fazer. Se for para jogar as músicas no mp3 Player e ouvir “na doida” em qualquer ordem e misturada a outras coisas, aviso logo: é provável que não goste. Mas, fique à vontade. Por fim deixo uma das frases que escutei nesse disco e que pra mim, reflete a idéia principal da obra: “Aqui é festa amor e a tristeza em minha vida.”
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